por Águeda Barreto – Enquanto seres em formação, crianças e adolescentes precisam ser cuidados e protegidos em condições adequadas para que desenvolvam o seu pleno potencial. Mas, infelizmente, a violência infantil é uma realidade persistente em todo o mundo, gerando sérias consequências para o desenvolvimento e formação do indivíduo e da sociedade. Neste ano, será realizada a celebração dos 30 anos da Convenção Mundial dos Direitos da Infância, da Organização das Nações Unidas (ONU) – primeiro documento a reconhecer as crianças enquanto sujeito de direitos – e desde já isso nos traz reflexões sobre os avanços e desafios para garantir a proteção da infância.
Os números da violência infantil são assustadores. No Brasil, 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), referentes a 2017. Além disso, 29 crianças e adolescentes são assassinados por dia, segundo dados de 2015 da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO), ligada à Unesco. Como se não bastasse, de acordo com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Brasil, em 2017 foram feitas mais de 84 mil denúncias de violações contra crianças e adolescentes – 10% a mais do que o registrado em 2016.
Uma pesquisa conduzida pelo ChildFund Alliance, com 6 mil crianças de 10 a 12 anos em todo o mundo (2015), 46% das crianças das nações em desenvolvimento sentem-se inseguras e com risco de serem lesadas em casa. Essa é a segunda resposta da pesquisa com maior percentual, depois de “caminhando sozinhas pelos lugares” (55%). Realidades chocantes e endêmicas que precisam ser prevenidas antes que aconteçam – afinal os danos são irreversíveis na saúde e na vida de uma criança.
Considerando a necessidade de prevenir a incidência de dados tão alarmantes, entre os anos de 2013 e 2015, o ChildFund Brasil, organização social de combate à pobreza e à violência infantil, realizou consultas junto às comunidades atendidas dos 53 municípios de atuação para levantar as principais manifestações de privação, exclusão e vulnerabilidade vividas pelas crianças e adolescentes.
Dentre os principais problemas apontados é possível destacar que, na faixa de 0 a 5 anos, os desafios passam pelo desconhecimento da família frente aos cuidados adequados na primeira infância; a necessidade de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; violência doméstica; desemprego e renda familiar insuficiente e violência na comunidade que impede a liberdade de ir e vir e de brincar. Entre 6 e 14 anos, as maiores carências estão relacionadas à insegurança na escola e bullying; privação do acesso ao esporte, cultura e lazer; educação escolar de baixa qualidade e negligência e/ou abandono por parte da família. No ciclo que vai dos 15 aos 24 anos, as queixas estão relacionadas à formação profissional inadequada; dificuldades para ingressar no mundo do trabalho; tráfico de drogas e consumo do álcool.
Problemas complexos como os apontados pelo ChildFund Brasil não podem se resolver com soluções simplistas, isoladas e de curto prazo. Por isso, a ONU voltou suas atenções para o tema da proteção infantil, ao incluir, entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a serem atingidos até 2030, a meta 16.2: “Acabar com o abuso, a exploração e o tráfico infantil e todas as formas de violência e tortura contra criança”.
Está claro, com esses números, que o aniversário de 30 anos da Convenção dos Direitos da Infância Convenção comemorado em 2019 é, ao mesmo tempo um convite à celebração e à reflexão. Consideramos um marco importante para que cada país, em todo o mundo, reflita sobre os avanços e desafios que ainda existem. Por isso, é importante o envolvimento de diversos atores sociais no avanço de uma agenda compartilhada – organizações da sociedade civil, poder público e iniciativa privada. Isso para que, juntos, possamos avançar em uma agenda comum voltada para a criança e o adolescente, atuando nas causas dos problemas.
E um dos meios que existem para alcançar esses objetivos é o Advocacy, prática exercida por pessoas ou organizações que tem como objetivo defender os direitos de uma causa. E é isso que tem feito a equipe ChildFund Brasil, em conjunto com outras organizações em um coalizão chamada Joining Forces to End Violence Against Children e com a Parceria Global para Erradicar a Violência contra Crianças.
Unimos as nossas forças para influenciar os tomadores de decisão a apoiarem e implementarem, baseados em evidências, políticas públicas que contribuam para a missão de valorizar, proteger e promover o valor e os direitos das crianças. Somente assim contribuiremos para proteger a vida e a saúde das nossas crianças e jovens e, consequentemente, para ajudar a construir uma sociedade melhor.
Águeda Barreto é Assessora de Advocacy no ChildFund Brasil – Fundo para Crianças
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