Terapeuta Focada em Compaixão e Pesquisadora em Parentalidade e Autocompaixão, Adriana Drulla mostra como reconhecer e tratar o estresse crônico que afeta os pais
Pesquisas internacionais mostram que o burnout não está restrito à área profissional. Ele também pode estar associado ao estresse crônico relacionado ao papel materno ou paterno, ainda mais após a pandemia do Covid-19. Uma pesquisa feita na Austrália em 2020 demonstrou que, para pais que trabalhavam e ao mesmo tempo cuidavam seus filhos durante a pandemia, a chance de burnout foi 4 vezes maior. Uma instituição de caridade infantil do Reino Unido revelou que mais de 80% dos pais estão lutando com pelo menos um sintoma de esgotamento.
O termo burnout é primordialmente usado para a síndrome de esgotamento causada pelo estresse crônico no trabalho. Pelo menos é assim que a Organização Mundial da Saúde definiu o burnout na Classificação Internacional de Doenças em 2019. Porém, o burnout também pode estar associado ao estresse crônico dos pais relacionado ao papel materno ou paterno: o burnout parental.
Segundo Adriana Drulla, também Mestra em Psicologia Positiva pela Universidade da Pensilvânia (EUA), “podemos pensar na nossa saúde mental como uma balança que tem dois pratos. No primeiro prato está o peso dos seus problemas. No segundo prato, estão os recursos que você tem para lidar com estas questões. E por recurso entenda tanto a ajuda de um vizinho – recurso externo – quanto a prática do autocuidado, respiração e exercício físico – recursos internos. Pois bem, na saúde mental o peso dos dois pratos é necessariamente compatível. Porém, nem sempre é assim que acontece. Quando a balança pesa mais para o lado dos desafios, nos sentimos sobrecarregados, despreparados e desamparados. Porque nesta situação, consideramos que os desafios excedem a habilidade de enfrentamento. Como resultado, sentimos ansiedade, como se o mundo inteiro estivesse sobre as costas. Este estresse por período prolongado pode causar o burnout”.
De fato, pais e mães com o quadro de burnout costumam se preocupar exaustivamente sobre como conseguirão dar conta de tudo o que é necessário. “Eles podem ficar ocupados com as crianças e com a casa durante o dia, deixando as tarefas profissionais e pessoais para a noite. A sequência de noites mal dormidas obviamente os deixa mais irritáveis, e estressados no dia seguinte. Por consequência, eles se tornam menos aptos a dar conta das tarefas do próximo dia com a mesma qualidade. Ou seja, as tarefas acumulam, e junto com elas a ansiedade, a irritação e a sensação de incompetência”, completa Adriana.
Mas vale destacar que o burnout parental já era uma realidade bem antes da pandemia. Em 2018, pesquisadores da Bélgica debruçaram-se sobre este assunto, constatando que o burnout parental pode acontecer com qualquer um que tenha filhos. Preocupações comuns com o comportamento, saúde, educação e as tarefas cotidianas podem levar os pais à experiência do estresse. Enquanto para alguns pais este estresse não tem um impacto significativo, para outros ele pode virar burnout.
Quanto menos apoio tem os pais (menos recursos), e quanto mais exigências enfrentam – por exemplo no caso de pais de crianças atípicas – maiores as chances de burnout. Para que o burnout aconteça basta que o prato dos problemas seja pesado o suficiente, ou que o prato dos recursos seja leve demais. “Não é de hoje que o prato de problemas das mães solteiras, e de pais e mães de crianças atípicas, por exemplo, está pesado demais. Em famílias em que pai e mãe trabalham, mas apenas a mulher assume a função parental, o cenário também desfavorece a saúde mental da mulher”, explica a especialista.
Estágios do burnout parental
A pesquisadora belga Isabelle Roskam, estudou 900 pais e mães com burnout parental e identificou que a condição tem 4 estágios que são progressivos e muitas vezes acontecem de forma alternada. O primeiro estágio é marcado pela exaustão no papel parental. A exaustão pode se manifestar tanto de forma física, por exemplo como um cansaço enorme para pais de crianças pequenas, quanto de forma emocional, por exemplo para pais de adolescentes. O segundo estágio é caracterizado pelo distanciamento emocional entre pais e filhos. Os pais exauridos buscam este isolamento até como forma de preservar a própria energia. O terceiro estágio é quando a parentalidade deixa de ser fonte de satisfação e realização para os pais exauridos. E finalmente, o quarto estágio é o desolamento. Neste estágio, pais e mães esgotados passam a comparar a parentalidade que exercem atualmente com aquela que costumavam ou que gostariam de exercer. A diferença entre realidade e expectativa faz com que se sintam incapazes e ineficazes. Como resultado, sentem culpa, vergonha, sensação de inferioridade, medo e tristeza. Pesquisadores em burnout parental defendem que a condição pode ter consequências ainda mais graves do que o burnout profissional. É que pais e mães não podem tirar licença remunerada e nem trocar de trabalho quando experimentam burnout. Isso faz com que se sintam aprisionados em seus papéis. Por isso, é mais comum que fantasiem planos de fuga e às vezes até de suicídio.
“De certa forma, instala-se um ciclo destrutivo. Pais com burnout se sentem sobrecarregados, ineficazes e incapazes. Por isso, ficam mais sensíveis e reativos e acabam agindo de forma violenta, seja verbal ou fisicamente. Depois que o conflito passa, estes pais ficam remoendo sobre o que fizeram e sentem culpa por suas atitudes. Então são acometidos por um sentimento persistente de inadequação e inferioridade. Como consequência, eles se tornam mais sensíveis, mais reativos e mais irritados. Ficam mais suscetíveis a futuras explosões. O ciclo se repete”, completa Adriana.
Qual o antídoto para o burnout parental?
O burnout parental é muito mais comum do que se imagina. Conhecer todos os estágios pode nos ajudar a reconhecê-lo em nós mesmos, ou em uma parceira, parceiro ou amigo que precisa de ajuda. Segundo Adriana Drulla, que também é terapeuta focada em compaixão e pesquisadora em autocompaixão e parentalidade, a prática da autocompaixão é um antídoto valioso contra o burnout.
Adriana é autora do estudo Transmissão Intergeracional da Autocompaixão, realizado junto com Karen Bluth, uma das maiores pesquisadoras em autocompaixão no mundo. O estudo, feito com 246 pares de mães e adolescentes nos Estados Unidos, analisou o impacto da autocompaixão na saúde emocional de mães e filhos.
“A autocompaixão é a capacidade de fornecer suporte emocional a si mesmo, enfrentando desafios e adversidades com maior perspectiva e com a compreensão de que as dificuldades são comuns a todas as pessoas. É sobre adotar uma postura gentil com relação a si mesmo, dando para si o que você precisa em um momento difícil, seja um banho demorado, seja pedir ajuda para alguém porque você precisa relaxar. No nosso estudo, concluímos que mães autocompassivas não têm a necessidade de serem perfeitas. Elas encaram as dificuldades da parentalidade como algo que é inerente à condição materna, ou seja, dificuldades são normais e não sinal de incompetência. Quando entendemos que todos somos imperfeitos e que todos nos sentimos inadequados em alguma medida, afinal a parentalidade é um desafio para todos, nos perdoamos com mais facilidade em vez de ver nossos erros como uma indicação de inferioridade. Mães autocompassivas admitem e se perdoam mais facilmente por seus erros e por não darem conta de tudo. Por isso, fica mais fácil seguir em frente e encontrar novos caminhos quando as coisas não acontecem da forma que esperam. Fica mais fácil admitir que precisam de ajuda e buscar apoio, também”.
“Quando conseguimos compreender que dificuldades são naturais e esperadas, deixamos de vê-las com lentes de aumento. Além disso, temos mais tranquilidade para encontrar recursos internos e externos para lidar com os problemas. Ou seja, equilibramos o prato dos recursos e dos desafios com mais facilidade. Isto afeta diretamente nas causas do burnout parental”.
“No longo prazo, é possível que estas mães autocompassivas se tornem mais competentes no papel materno, inclusive. Porque quando os erros deixam de ser aversivos, eles se tornam oportunidades de aprendizado. De fato, encontramos uma associação positiva entre autocompaixão e o sentimento de competência no papel materno. Outro achado importante é que os filhos de mulheres autocompassivas reportam um melhor vínculo com as suas mães. Eles se tornam mais autocompassivos também”.
“A autocompaixão é uma habilidade e ela pode ser aprendida. Kristin Neff, pesquisadora referência no tema, operacionalizou autocompaixão com três elementos: mindfulness, humanidade comum e autogentileza. Nos momentos difíceis, faça uma pausa, e passe mentalmente por cada um deles. Primeiro investigue sua experiência com mindfulness, ou seja, com curiosidade e abertura em vez de negar o sofrimento ou lamentar excessivamente. Segundo, lembre-se da sua humanidade e do entendimento que o sofrimento é inerente à condição humana. Ou seja, se você está nervoso, triste ou ansioso, não significa que tenha algo de errado com você. Quando você entende que as suas dificuldades são parte da experiência comum, e não provas de incompetência ou fraqueza, fica mais fácil acolher o que você sente com o terceiro elemento da autocompaixão, a autogentileza. Pense sobre como você encorajaria ou apoiaria um amigo na mesma situação. E fale com você desta mesma forma. Dê para si mesmo, ou peça, aquilo que você precisa”, finaliza.
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