Por Breno Rosostolato – Decidido a mudar seu destino, um jovem sanfoneiro sai de casa e segue para cidade grande em busca de novos horizontes e para apagar uma tristeza amorosa. Lá, ele conhece uma bela mulher por quem se encanta. Após o nascimento do filho e complicações de saúde da esposa, ele decide voltar para a estrada para garantir o próprio sustento financeiro. Busca, assim, dar bons estudos e um futuro melhor para o herdeiro. Para isso, deixa o pequeno aos cuidados de amigos no Rio de Janeiro e sai pelo Brasil afora. Só não imaginava que essa distância entre eles faria crescer uma complicada relação, potencializada por personalidades fortes e um distanciamento doloroso. Baseada em conversas realizadas entre pai e filho, a história é narrada através de um diálogo intenso.
Esta é a sinopse do filme Gonzaga, de pai para filho. História do cantor Luiz Gonzaga, também conhecido como O Rei do Baião ou Gonzagão, e de seu filho, popularmente chamado de Gonzaguinha. O filme mostra de forma brilhante, não só a trajetória de sucesso dos artistas, mas uma relação paterna que foi destituída pela distância e falta de acolhimento e o sofrimento de uma criança que cresce sem a referência do pai e do herói. Discutir a posição da mãe e do pai nos convida a explorar a história e entender que houve uma ruptura na relação de homens e mulheres no que diz respeito aos papéis sociais, sexuais e familiares.
A maternidade já era uma realidade incontestável. A deusa-mãe relacionada à natureza (agricultura) reinou absoluta até o início da Idade do Bronze. As mulheres detinham, unicamente, o dom da fertilidade. Todo o cultivo do alimento, o crescimento da lavoura, era associado às mulheres. No Período Neolítico, como os homens caminhavam dias atrás de caça, atribuía a agricultura às mulheres. Desconhecia-se o vínculo entre sexo e fecundação, portanto, as mulheres assumem o poder sobre a vida e a morte. Os homens com o tempo perceberam que matar os animais para se alimentarem causava a diminuição destes animais e resolvem domesticá-los, abandonando assim a caça. Foi através da observação do homem nas ovelhas que ele descobre a contribuição do cordeiro na procriação. É diante desta revelação que o homem toma para si a concepção da vida através do sêmen e assim, diminui a importância da mulher, que por sua vez, perde a liberdade sexual. O filho é gerado com a participação dos dois sexos e assim surge o casal. O filho é para o homem a possibilidade de deixar sua herança e para tal, a mulher deveria ser controlada para ser fiel. Desta maneira o pai assegura-se que aquele filho é dele mesmo e a mulher uma propriedade.
O Patriarcado surge como uma organização social que enaltece a imagem do pai, que detém o poder da descendência, e que o parentesco esteja associado ao masculino. Os conceitos que sustentam o sistema patriarcal cria a mentalidade de superioridade e autoritarismo em relação a esposa e aos filhos no âmbito da família e da sociedade. A segregação familiar configura as funções de cada progenitor, em que a mãe vive para a família e os afazeres domésticos e o pai o mantedor, o provedor financeiro que sustenta a casa. O homem monopoliza a vida pública e sua posição hegemônica o distancia afetivamente da esposa e dos filhos. O papel controlador e soberano não dava margem para manifestações de afeto e nada poderia comprometer a figura de senhor e chefe.
Numa sociedade em que a dinâmica social sofre constantes transformações, torna-se necessária a revisão do papel do pai na estrutura familiar. O filme foi o estopim para esta reflexão. Entretanto, mais do que uma história retratada, o sofrimento de uma criança que cresce sem contato afetivo com o pai biológico deixou marcas cruciais na personalidade de Gonzaguinha. A discussão em torno da figura paterna é tão importante que o quadro do programa Fantástico, “Quem é meu pai”, mostrava a situação de jovens e adultos que cresceram sem conhecer e que não tinham sido registrados pelos pais biológicos, ocasionando um distanciamento conflitante e doloroso. As pessoas lutavam pelo registro, mas acima disso, o reconhecimento e a aceitação do pai.
A definição do psicólogo Guy Coreant é bem pontual – “o pai é o primeiro outro que a criança encontra fora do ventre da mãe” – em que a criança se sustentará nos preceitos da figura masculina. Segurança, sustentação emocional e aspectos morais e éticos. O pai é importante na vida do filho tanto quanto a mãe. Se antes essa relação era marcada por autoritarismo e ausência, hoje os pais estão transformando o seu papel e dimensionando suas funções com a participação ativa e estabelecendo vínculos sólidos e construtivos com os filhos, seja na gestação, no respaldo à mãe ou alicerçando a dinâmica familiar.
Breno Rosostolato é psicólogo clínico, terapeuta sexual e professor da Faculdade Santa Marcelina
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