Muitos pais estão compartilhando o mesmo desafio, após um ano e meio de isolamento, muitas crianças não têm mais vontade de sair de casa e de se relacionar com amigos, parentes ou colegas de escola. E de que forma os pais podem ajudar os filhos a manter relações saudáveis, sobretudo para a retomada das aulas e convívio com os colegas?
De fato, a construção de habilidades socioemocionais acontece no contexto social. As crianças deixaram de praticar a socialização e isso pode fazer com que voltem ao ambiente social um pouco menos abertas e mais autocentradas. O excesso de isolamento pode deixar enferrujadas habilidades como saber dividir, inibir impulsos, conter a agressividade, considerar os desejos do outro.
Na pandemia houve uma exposição exagerada às telas; o que pode ter como efeito uma impulsividade maior e menor capacidade de atenção sustentada. Algumas crianças ficaram mais ansiosas também. Diversos estudos identificaram crianças mais tristes, ansiosas e irritadas. A separação de amigos e familiares, a interrupção de atividades (trabalho, escola), rotinas mais bagunçadas – sono mais irregular, dieta menos balanceada e as atividades físicas, que são tão importantes para a saúde emocional, também foram prejudicadas.
No entanto, não são todas as crianças que enfrentarão dificuldades para se readaptar à escola, isso varia muito de criança para criança e de um contexto para o outro. Então a primeira coisa a dizer é que essa variabilidade na readaptação é normal, não tem nada de errado com a criança que enfrenta e com a criança que não enfrenta desafios.
Aliás, pode ser inclusive que seu filho alterne entre resistência e excitação, às vezes querendo e outras se recusando a ir para a escola. A vida no isolamento é bastante diferente; as crianças não precisam dividir com os amigos, esperar a vez para falar, ficar em fila, ou confiar em outros adultos fora da família. Algumas crianças podem ficar mais inibidas, responder de forma pouco usual aos adultos fora de casa, ficar inseguras para socializar com os colegas. É como a criança que sai de casa para ir para a escola pela primeira vez – sabemos que é importante para a criança dar este passo, porém muitas vezes ela resiste porque naturalmente se sente insegura.
Neste sentido, vale observar algumas dicas:
- Procure não construir expectativas boas ou ruins a respeito da volta às aulas. Esteja aberto para lidar com as emoções que surgirem, vivendo um dia após o outro, e procurando dar suporte ao seu filho para que ele se sinta seguro com suas emoções.
- Converse com a criança sobre como será a rotina dela. Façam juntos uma tabela com os horários que ela vai para a escola, quando ela volta para casa, a hora que vai brincar, tomar banho, fazer esportes. Quando a criança consegue visualizar a rotina, ela tende a se sentir mais segura porque sabe o que vai acontecer depois.
- Se o seu filho apresentar dificuldades para readaptar, vá devagar. Deixe que a exposição aconteça gradualmente. Por exemplo, ele pode começar ficando na escola por apenas algumas horas em vez de todo o período.
- Deixe que seu filho leve para a escola um objeto seu, por exemplo, um colar que você gosta e que possa ser pendurado no pescoço da criança. O objeto funciona como um símbolo, fazendo a ponte entre você e seu filho. Ele sabe que está cuidando de algo que é importante para você, e que logo irá devolver o objeto, ou seja, entende concretamente que você irá voltar.
- Tenha uma comunicação aberta e faça perguntas específicas para que seu filho possa dividir com você aquilo que sente. Por exemplo, em vez de “como foi o seu dia” pergunte “o que te fez ficar alegre hoje?” “O que te deixou bravo?” “Com quem você brincou? De que brincaram?”. Esta comunicação pode ser construída desde já. Por exemplo, quando a criança se sentir frustrada em casa, você pode se aproximar dela e buscar entender o que está por trás da frustração. Validando aquilo que ela sente e ajudando-a construir um vocabulário para que ela possa expressar e entender as emoções que sente.
- Confie na capacidade do seu filho em enfrentar dificuldades. Por mais desconfortável que seja, certa hora seu filho vai se adaptar. As crianças são resilientes. Em vez de lamentar a pandemia e ficar imaginando como seria caso ela nunca tivesse acontecido, procure reconhecer os obstáculos que se apresentam hoje e descobrir formas de lidar com eles. Seu filho se sentirá mais seguro se perceber que você confia na capacidade que ele tem de enfrentar este desafio.
- Se você estiver inseguro, converse com a escola, com a professora, com a diretora e faça combinados sobre como ocorrerá a adaptação. Se o seu filho entender que você confia naqueles que tomam conta dele, ele irá se sentir mais seguro para estar com estas pessoas sem a sua presença.
- Por fim, a recomendação para os pais é que acompanhem e orientem seus filhos da melhor forma. É preciso validar as ansiedades, preocupações e medos da criança. É importante que ele entenda que adaptar-se novamente é um desafio e que muitas vezes precisamos de tempo e prática para adaptarmos a uma nova realidade. Demonstre que entende o que a criança sente, e que as dificuldades são normais. Contudo, mostre também outras perspectivas e outras visões sobre a realidade. “Eu entendo que é difícil estar fora de casa, mas por outro lado enquanto estiver aqui você pode aproveitar aquele escorregador que só tem aqui na escola”.
Adriana Drulla é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA), e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra). Estudou com Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva e com Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Formada em Conscious Parenting por Shefali Tsabary, psicóloga referência em parentalidade, é também especialista em Mindfulness pela Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA). Adriana é autora de um estudo que correlaciona autocompaixão de pais e filhos adolescentes em publicação nos Estados Unidos. É autora dos podcasts Crescer Humano, onde fala sobre psicologia, e Mente Compassiva, onde publica meditações para o desenvolvimento da autocompaixão.
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