Esse pensamento se traduz em ação concreta?
O dado em questão faz parte do mapeamento “Bem-Estar Parental nas Empresas”, desenvolvido pelas Filhos no Currículo e Infojobs, que avaliou a efetividade da cultura parental na visão de colaboradores, lideranças e profissionais de RH.
Na opinião de Michelle Terni, CEO e cofundadora da Filhos no Currículo, existe uma longa distância entre pensar em deixar o trabalho e efetivamente deixá-lo. “A sobrecarga do cuidado ainda se acumula nos ombros das figuras maternas e, consequentemente, conciliar filhos e carreira ainda é um dilema feminino. Mas essa cogitação dos pais já aponta para uma tendência por uma paternidade protagonista, o que contribui para a construção de uma sociedade mais equânime”, afirma.
Marlon Camacho, engenheiro da computação, 38 anos, foi parte desta estatística. Aos 28 anos, no nascimento de seu primeiro filho, pediu demissão de um emprego formal para ser o cuidador principal do pequeno. Na época, a esposa fazia residência em ginecologia e obstetrícia e o casal tinha uma carga horária de trabalho superior a 40 horas semanais, cada um.
Marlon trabalhava de segunda a sexta na área administrativa do Shopping Liberty Mall em Brasília-DF, fazia uma pós-graduação, além de dirigir uma ONG social. Por conta das três atividades, não tinha sido presente na gestação e primeiros meses do filho.
Terminada a licença maternidade da esposa, e por conta da necessidade dela em retomar a residência, Marlon sugeriu que não terceirizassem os cuidados do pequeno Joaquim, e optou por pedir demissão para assumir o cuidado durante o dia.
“Muitas vezes senti o machismo estrutural fazendo efeito, com sensações de que eu estava fazendo mais que a minha obrigação, que a relação estava desequilibrada, com uma falsa noção de que o trabalho de cuidado deveria ser o da mulher, afinal muito da definição de “homem” é sobre seu sucesso profissional”, explica.
Ele só retornou ao mercado formal após o filho completar três anos, e não se arrepende dessa decisão. “Quando comecei a participar de rodas de conversa de pais, comecei a ouvir a história de outros homens falando que negaram propostas de emprego em prol de mais tempo com os filhos. Naquele momento, caiu a ficha de que tinha feito a coisa certa”, completa.
Qual é o papel das empresas?
O dado traz para o centro da discussão outro tipo de provocação: o que as empresas estão fazendo para reter seus talentos com filhos? Como criar um ambiente corporativo onde filhos e carreira possam caminhar lado a lado na vida de seus cuidadores principais?
“Ser cuidada, nutrida e protegida durante os primeiros meses de vida é um direito básico de toda a criança, mas deveria ser também um direito dos pais” afirma Camila Antunes, educadora parental e sócia fundadora da Filhos no Currículo. “Vínculo não se constrói em 5 nem 20 dias. Mudar esta realidade depende de um compromisso das empresas em investir na construção de um ambiente corporativo de bem-estar parental”, completa.
Segundo a especialista, essa construção depende de uma ação combinada de fatores envolvendo:
- Processos, políticas e benefícios mais inclusivos, que consideram as necessidades parentais em suas diferentes fases da jornada, como a LICENÇA PARENTAL estendida.
- Formação de lideranças e pares em gestão da parentalidade, para que atuem como tradutores de uma cultura de acolhimento.
- Criação de fóruns e espaços para discussão e trocas específicas sobre os desafios parentais, gerando assim um senso de pertencimento e conscientizando sobre a importância de uma parentalidade protagonista.
- Construção de uma rede de aliados e mentores dentro das próprias equipes, que servirão de referencial e apoio concreto para aqueles colaboradores que exercem função parental.
Licença Parental – um trampolim rumo à equidade
Uma das medidas mais emblemáticas a serem adotadas, são as licenças parentais estendidas, ou seja, oferecendo a mesma quantidade de dias de afastamento de licença para as diferentes figuras parentais, independentemente do gênero.
“Esse período de construção de vínculo exclusivo será decisivo para o desenvolvimento pleno da criança e contribui positivamente para a equidade de gênero no mercado de trabalho, na medida em que possibilita a corresponsabilidade dos cuidados parentais”, reforça Michelle.
Segundo a especialista, em um ambiente com boas licenças parentais, as pessoas reconsiderariam essa ideia de deixar o trabalho. Dados da mesma pesquisa revelam que 8 de cada 10 profissionais com filhos percebem um maior engajamento e compromisso com a empresa quando seu papel como pai ou mãe é respeitado no ambiente de trabalho, e as “licenças estendidas” apareceram entre as top 5 medidas mais desejadas pelos pais em suas empresas.
“A igualdade das licenças é uma ação afirmativa que visa eliminar os vieses ainda existentes da contratação de mulheres. Se hoje as empresas não contratam mulheres por medo delas engravidarem, saírem de licença e deixarem o time na mão, sem esse obstáculo, as empresas conseguem acelerar a representatividade feminina em todas as posições”, finaliza.
Por que tão poucas empresas implementam?
Segundo Vinicius Bretz, consultor da Filhos no Currículo especialista em implementação de licenças parentais, barreiras financeiras e culturais são as principais causas do baixo engajamento das empresas.
“Existem três principais desafios naturais na implementação: cultura, liderança e maturidade na agenda de DE&I (diversidade, equidade e inclusão). Empresas que possuem uma cultura mais aberta, com segurança psicologia, liderança capacitada e próxima do time e com ações de DE&I inseridas já na agenda da empresa, conseguem ter uma aceitação e implementação mais suaves e efetivas das licenças”, exemplifica o especialista.
Para ele, as licenças são parte de um movimento mais macro estratégico. “A mudança bem-sucedida exige um planejamento orquestrado por uma equipe multidisciplinar, engajamento da alta liderança e revisão de políticas acessórias que serão indiretamente impactadas pela mudança. Assim, como em qualquer transformação cultural, essa mudança leva tempo para ser assimilada e se o processo não for cuidado, corre o risco de não sair do papel”, afirma o especialista, que foi responsável por implementar a mudança em uma das maiores empresas multinacionais do setor de bebidas, com resultados diretos para o business como a diminuição na taxa de turnover, aumento do engajamento interno, das promoções e da visibilidade da marca empregadora, melhorando os índices de atração de talentos.
“Implementar uma licença parental é também uma oportunidade para construção de marca e alinhamento à agenda ESG. Dependendo de como as empresas se posicionam sobre parentalidade e equidade de gênero perante seus consumidores, clientes, colaboradores e sociedade, pode haver um aumento do valor do negócio para seus acionistas”, completa Vinícius.
Garantir uma implementação de licença parental bem-sucedida é a aposta da Filhos no Currículo, oferecendo um “pacote de implementação” para as empresas que cogitam oferecer este benefício aos seus colaboradores. O serviço oferece desde o suporte integral e multidisciplinar às áreas internas da companhia, até o plano de aculturamento da organização e alta liderança em especial.
Outros insights complementares que fazem parte do mapeamento “Bem-Estar Parental nas Empresas”, de julho/2023:
- Cerca de 37% dos pais já consideraram deixar o trabalho para cuidar dos seus filhos. O número sobe para 63% quando a pergunta é feita para as mães.
- 32% dos pais e 60% das mães dizem já ter sofrido preconceitos ou retaliações no trabalho ou em processos seletivos, pelo fato de terem filhos.
- 85% das mães e pais entrevistados (ou usar 8 em cada 10) passaram ou estão passando por alguma situação desafiadora na parentalidade. Quais são essas situações desafiadoras abordadas na pesquisa? Luto gestacional; Parentalidade solo; Crianças com deficiência; Gestação de risco ou prematuridade; Gestação não planejada; Processo de fertilização; Dificuldades na amamentação; Depressão pós-parto.
No ranking dos benefícios preferidos por pais e mães, temos:
- Modelos de trabalho flexíveis incluindo home-office (65%)
- Auxílio creche ou babá (51%)
- Programas de bem-estar e qualidade de vida para profissionais com filhos (51%)
- Licenças estendidas para figuras paternas e maternas (47%).
- 94% dos líderes de equipe demonstram estar seguros em algum nível para gerenciar questões de profissionais com filhos, sendo que 82% deles consideram-se ‘totalmente preparados’.
- Na visão dos profissionais liderados, 67% acreditam que seus líderes diretos são acolhedores. Já em relação a alta liderança (presidentes, diretores e afins) o índice reduz para 48%
- 68% dos respondentes dizem que as empresas em que trabalham não fornecem informações ou experiências específicas voltadas para a parentalidade, como rodas de conversa, palestras ou grupos de afinidade para pais e mães.
- 47% dos respondentes afirmaram que não consideram eficazes as políticas e processos de parentalidade existentes na sua empresa.
Sobre a Filhos no Currículo: consultoria de impacto especializada na criação de programas de parentalidade corporativos, é referência no tema por atuar com organizações na revisão e no desenvolvimento de políticas internas, tais como implementação de benefícios corporativos mais isonômicos, em busca de um ambiente empático e equitativo para o colaborador que exerce um papel parental.
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